Ser é Estar
O processo de subjetivação é, no contemporâneo, indissociável da imagem. A forma como nos apresentamos para o mundo, como nos vemos e somos vistos se retroalimenta de maneira narcísica e faz com que nos tornemos alegorias de nós mesmos. Em Ser é Estar, a imagem é fragmentada para construir a autoimagem, dando vazão para todas as formas que o eu pode tomar.
Tentar entender este ‘eu’ complexo é destruir toda e qualquer imagem dele. Ao manipular a fotografia digital e fisicamente, a artista atravessa o espelho e toca o reflexo, o destrói e, costurando seus cacos, cria um novo reflexo, o interior. Este, por sua vez, mostra aquilo que a imagem técnica não dá conta de capturar. Como numa autofagia, a artista digere a si mesma e ao seu entorno para se entender.
Deste processo nascem as figuras que habitam o universo de Fernanda Corsini. Criaturas que personificam a psique humana, feita de partes conflitantes, incômodas e por vezes disformes. A artista as separa em partes, preservando-as no éter da memória, e depois as sutura, dando luz às próprias Prometheus Modernas, que ora tentam entender seu lugar no mundo, ora atacam quem as trouxe a ele, como na obra de Mary Shelley.
Seu trabalho, entretanto, não toma a forma visceral que se espera desse processo de amputação e reimplante. Como ex-votos de papel, a artista estanca a sangria desse processo com uma promessa de autoconhecimento e as consagra para o deus Ego, planificando as diversas dimensões das angústias em uma malha de retalhos que se torna um único ser, que ganha seus milagres no campo bidimensional da imagem.
Ser é Estar propõe um mergulho no subconsciente através da reconfiguração visual da autoimagem. Em um percurso que acompanha não apenas sua produção, mas também a evolução de suas criaturas, Fernanda Corsini nos convida a conhecer as várias versões de um ‘eu’ que podem coexistir, se transformar, e, juntas, criar um ser tão subjetivo como o humano.
Giovana Macedo, 2023